sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Eu, o Rio e Uma alma que voa

Imagem: Reprodução


Luiz Pinheiro



                      Sempre tive uma relação musical e afetiva com o Rio de Janeiro.
         A primeira vez que fui à cidade, na companhia de amigos da faculdade de Medicina, estava em temporada o show "Bicho Baile Show" de Caetano Veloso. Como eles não quiseram ir, deixei-os no hotel e fui sozinho.
         Lá, conheci alguns cariocas que fizeram toda a diferença: Silvio Andrade, Charles Nelson e Luiz Paladino.
No início da apresentação, mal soavam os primeiros acordes da guitarra, os três saíam dançando pelo teatro, que inusitadamente reservava um espaço para isso. Pensei que eram contratados, mas não, eram apenas fãs como eu e apaixonados pela música dos baianos. Silvio me chamava para dançar. Eu, com minha timidez paulista, apenas lhe retribuía sorrisos.
         No final do show nos encontramos no saguão do teatro e os três me levaram para conhecer a Lapa. Joguei-me na noite do Rio e a partir daí passei a namorar a cidade maravilhosa.
Toda vez que estreava um show, antes que chegasse a São Paulo, eu já estava com a mochila nas costas sentindo a maresia de Copacabana.
         Vi "Cantar",de Gal Costa, no Teatro da Praia, cerca de dez vezes. Meu pai estranhava o fato de eu ir tanto ao Rio. Ele achava que Gal era uma namorada que eu tinha lá. Dizia isso para as pessoas. E eu ria.
         Agora, depois de anos, tive a alegria de musicar um poema que Flavio Boaventura fez para o poeta Waly Salomão, após sua morte. Como ele traz muitas imagens do Rio, ao musicá-lo, pude reafirmar o meu amor pela cidade e homenageá-la, com um gesto de gratidão .
         Depois que eu e Valter Gomes fizemos o arranjo dessa canção, percebemos nela uma pegada meio oriental e quando me lembrei que Waly tinha ascendência árabe, emocionei-me muito no estúdio. Tudo fazia sentido.  
Em minha ida ao Rio, recentemente, Charles me levou ao morro do Vidigal. Mais emoção, que resultou em poema.
Estou postando a música, que se chama “ Uma alma que voa” e o poema  “Vidigal” para vocês, em primeira mão.


Vidigal (Crônica poética)


Imagem: Reprodução
Luiz Pinheiro
(julho 2010)

Depois que Charles Nelson
me aplicou Vidigal,
nunca mais fui o mesmo,
nunca mais fui igual.


Pelos vãos,
entre motos e vans,
que não excluem ninguém,
pessoas vão e vêm
muito mais que depressa.
Mesmo parado, no sopé,
o movimento  não cessa.


Poemas na escada
e araras coloridas
nos azulejos
contrastam com
a dura mais pura 
realidade  que vejo.


Tudo nasce
como um prematuro parto
e desaparece 
no mesmo instante:
Infarto fulminante.
Entre sussurros e carros
rapazes brotam do céu
e do barro.


O que é fato,
são como gestos de teatro.
Em cena aberta,
quando me abordam
não me ferem,
porque parece
que  todos bem me querem.


Vilma anda
como se sambasse
e me acena de longe
com uma beleza
que não se põe
em nenhuma mesa:
leveza de monge,
no burburinho
que lhe foge.


Distante do asfalto,
Jesus vende lá no alto
e Dadinho, cá embaixo,
nos saúda 
com seu sorriso cauto.
Desço do salto e
amo o que não conheço
porque me faz parecer
o que não pareço.


A favela acuada,
majestosa
escorrega pelo morro
e escabrosa
vislumbra o mar:
Comunitários no horizonte,
poetas no bar.


Vidigal:
videoclipe da vida real,
Ilusão,
simbiose
entre o bem e o mal.


Visto o que havia 
para ser visto,
me dispo,
respiro e desço.
nada  dou,
nada peço,
apenas envelheço.