Waltercio Caldas: surpresa, estranhamento e prazer estético. O vazio como motor da representação.
Luiz Pinheiro
Fui ver a exposição de
Waltercio Caldas, na Pinacoteca do Estado, intitulada “O ar mais próximo e
outras matérias”. Não entendo nada de artes plásticas, mas gosto muito, como
leigo, de apreciá-las. Se esse tipo de arte dependesse somente de entendedores
para admirá-las, os museus estariam quase vazios.
Logo ao entrar na sala fui
tomado de um sentimento de surpresa, seguido de estranhamento, acompanhado de
um prazer indiferenciado. Seria a vivência da beleza, ali presente, a causadora
desse sentimento? A arte tem o dom de nos botar em contato com o belo. E belo
não quer dizer bonito ou feio. É o resultado de uma experiência estética única,
que pode inverter conceitos, alterar realidades ou subverter a ordem
estabelecida.
Waltercio nos oferece
objetos extremamente leves, pontuados, em menor escala, com outros de maior
peso e densidade, como pedra ou granito, preenchidos de vazio -muito vazio-
transparência, brilho de metal fino, imagens espelhadas, consistências de água.
Não há como se mostrar
insensível àquilo. Somos tomados de um sentimento de difícil definição. Sua
obra respira, flutua, movimenta-se, ainda que parada. Fala, em silêncio, pela
forma, pela textura dos objetos. Parece nos fazer perguntas sem querer
respostas . A meu ver, é essa a intenção desse artista: levar-nos para aquele
lugar em que só habita o sensorial, onde ainda não há representação, ou, se há,
é apenas um indício dela.
Mas a mente humana, na sua
complexidade, é profícua e carece de dar sentido às coisas.
Diante do impacto, comecei a
querer decifrar aquelas sensações, movido por um desconforto e um prazer um
tanto sutis. O que queria aquele artista nos dizer? Parece que nos oferecia um
espaço potencial para a nossa própria criação, convidando-nos a usufruir
daquele estado onde nada ainda foi criado. Mas aí se instaura um paradoxo: uma
criação falando do espaço onde ainda nada foi criado. Talvez nos revele o vazio
como motor da criação ao nos colocar em contato com presença e ausência, peso e
leveza, solidez e transparência, rarefação e matéria dura. Ao deparar com sua
obra somos levados a criar pontes entre esses opostos, como que a preencher um
vácuo. Instaura-se, concomitantemente, uma demanda por síntese.
Comecei a pensar no que
diferenciaria o objeto de arte de outros objetos. Uma das possibilidades é ele
ter a condição de não utilitário. É algo apenas para ser observado, sentido, e
não usado, pelo menos não no sentido corriqueiro. O objeto de arte nos leva a
vivenciar aquele momento infantil onde olhamos para as coisas não pelo que
nelas há de útil, mas de instigante, diferente, inusitado. Onde ainda não há
saturação de sentidos.
Ao caminhar pelo espaço da
Pinacoteca me veio a lembrança do caminhar por um Shopping.
Adoro Shoppings, ver a
beleza das vitrines, das cores, as luzes. Mas o que diferencia um Shopping de
um espaço como a Pinacoteca? Todos os Shoppings são parecidos e podemos estar
em qualquer um deles, que a sensação é a mesma. Em São Paulo, Nova York,
Londres ou Paris. Estamos diante do conhecido, espaços preenchidos com objetos
decodificados.
Já, na Pinacoteca, a
presença do vazio entre as obras expostas, suas amplas salas, mostra-nos que
ali não há saturação. É um lugar, onde o tempo todo se constrói e se
descontrói. Exposições são montadas e desmontadas. Novos elementos
re-significam o ambiente. Não há repetição do mesmo. É um espaço vivo, no
sentido de que está sempre se transformando. A arquitetura da Pinacoteca, e a
reforma realizada por Paulo Mendes da Rocha, juntamente com Eduardo Colonelli e
Welliton Torres, já são uma arte em si. Nesse sentido, as artes plásticas e a
arquitetura estão, ali, em pleno diálogo.
Veio-me também a lembrança
de um texto de Freud, onde ele relata que uma criança , para tolerar a ausência
da mãe, amarra uma linha em um carretel e fica jogando-o para longe e
trazendo-o para perto de si, simbolizando a ausência e o retorno dela ,
aliviando assim, a angústia da separação. Diante da criação de Waltercio, me
senti como esse menino, tentando representar a sensação da ausência presente em
seus objetos.
Qualquer coisa que se diz
não dá conta de sua obra, nem chega perto da experiência de estar
diante dela. Saí de lá alimentado, inquieto, com vontade de traduzir em
palavras o que estava sentindo. Waltercio nos leva a experimentar o inominável,
o não cogniscível, aquele lugar onde já estivemos um dia, mas se perdeu com o
processo de civilização.
Março/2013