segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

3.1415...Poema, forma e conteúdo

Luiz Pinheiro


                                               
 




            
            Se me perguntarem o que prefiro: um poema sem conteúdo, mas com forma, ou um poema com conteúdo, mas sem forma, opto pelo primeiro, visto que não considero o segundo um poema.
      
      Poema é essencialmente forma. Diz respeito ao som das palavras, sua disposição, aquilo que apenas pode ser dito da maneira como é escrito. Todo o resto são versos aleatórios ou meros pensamentos. Claro que se um poema consegue reunir bom conteúdo e boa forma, então é perfeito.

      Gosto de uma de minhas músicas, feita em parceria com a Leila Romero, chamada “Barra Macaco”. Ela é pura forma e é gostoso ouvi-la. Embora exista quem encontre algum conteúdo ali, isso é por conta da subjetividade do ouvinte. É interessante que possamos gostar de uma canção em que a letra não diga nada. Acho isso muito natural, pois, muitas pessoas que não sabem falar Inglês, adoram canções cantadas nessa língua. O que importa, no caso, é a sonoridade da melodia e da letra. Se é para abolir conteúdo, que se faça com estilo, elegantemente.

      Acho bacana temas sociais em canções, mas não gosto muito quando são contadas historinhas como se as letras fossem prosa. E quando são em forma de versos, que sejam ditos com inspiração e estrutura poética, não apenas como mensagens educativas ou políticas de estética duvidosa.

         Arte pela arte em primeiro lugar. Mesmo se num “interjogo” com temas sociais.

      Este novo CD “3,1415...” é diferente do primeiro, chamado “Decompor”, já que aborda mais temas sociais. Faz referência a tráfico, ao uso de burcas, a moradores de rua, a ambientalismo, fundamentalismo, moralismo e, lógico, amor e desamor. Mas, ao falar desses assuntos o faço com uma perspectiva muito própria, filosófica, longe dos jargões atuais, os quais abomino. Procuro uma visão que perpasse tais temas de forma “oblíqua”. Aliás, esta palavra daria um lindo nome de canção. Ou até subtítulo para o disco, pois também se refere a um termo da área da Matemática, a Geometria.

      Quando estudante, eu era muito bom em Matemática. Quem me apelidou Pi foi uma professora da área. Hoje não tenho quase nenhum interesse em Exatas. Da Matemática fui para a área de Biológicas cursar Medicina e, logo após, também cursei Psicanálise, já bem distante das duas. Atualmente, me interesso mais por Humanas, incluindo o fazer artístico.

      Sendo assim, gosto dos adjetivos usados na definição do símbolo matemático de letra grega Pi (3,1415...), porque têm relação direta com traços humanos: “inexato, aproximado, infinito, irracional, transcendente”. Ao musicar esse tema, consegui unir meus primeiros interesses de vida aos atuais. Acho esse novo disco mais autoral que os anteriores. Não que aqueles não o fossem, porém, neste trabalho, imprimo minhas digitais de modo mais nítido.

      A realização de “3,1415...” conta com a direção de Valter Gomes, que também é o meu psicanalista musical, pois consegue interpretar minhas intenções e torná-las realidades sonoras. Fazemos todos os arranjos juntos, ponderando cada nota empregada e que tipos de instrumentos iremos usar. É um processo experimental no qual harmonizamos elementos acústicos e eletrônicos de forma contemporânea.
Uma das novidades deste CD é minha voz soar mais rasgada em certas canções. A outra é Valter levar o som de sua guitarra por técnicas e caminhos inéditos. Por estas e outras, considero-me um privilegiado por contar com sua amizade e parceria. Ele é de um talento enorme e de humildade ímpar.